Vai lá ver o tio, está tão bonito...

Foi o que me disse a minha tia quando, perto da meia noite de sábado, cheguei à capela.
O meu tio Zé, lindo, deitado, frio, sem vida e já sem sofrimento.
E a todos os que chegavam e que queriam dizer qualquer coisa sentida, ensaiada no carro ou já treinada de outros funerais, a quem tentava um abraço, uma lágrima, um consolo, a minha tia dizia logo: Vai lá ver o Zé, está tão bonito... Sem espaço para mais nada.
Nos últimos 7 meses a minha tia perdeu uns 30 quilos, ela é que envelheceu, mirrou, ficou mais pequena, rosto cansado, triste, amargurado. A minha tia passou todos, todos os dias, as 8 horas que o hospital lhe permitia de volta dele. Uma palavra, uma lembrança, muitas conversas, o terço diário e sempre, sempre o almoço caseiro que a comida dela é que o mimou nos últimos 40 anos e agora não seria diferente.
Sim, o meu tio Zé já morreu. Foi cedo demais, brutal demais, triste demais. Mas o saber o quanto foi amado até ao fim é uma promessa de confiança no mundo, nas pessoas.
Os meus primos, cheios de Paz, a explicar a toda a gente como a Fé dele os preparou para isto, para o fim, o quanto aprenderam com ele nestes meses, como se tivessem descoberto um outro pai, um novo homem, a dizer e a explicar a vida de uma forma natural, apesar das dores.
A família do meu pai é apelidada de "Os Poetas", herança de um avô dado à poesia tosca e tocada, de taberna. Valeu-nos o título até hoje. O tio Zé tinha um orgulho imenso nos Poetas e teve uma vida tão bonita que lhe chamaria um poema, como o que a minha tia proferia constantemente junto do marido morto, enquanto ajeitava vezes sem fim o fato, o bigode, o cabelo: olha o Zé, está tão bonito...

3 comentários: