Herdar

Não sou uma grande herdeira, daqueles que mal nasceram já tinham a vida orientada. Não, não sou. É uma pena, mas aqui cada um tem que se fazer à vidinha. E ainda bem.
No entanto sou uma herdeira de coração cheio de avós que ainda tenho comigo e que me deram, e dão, tanta coisa não material ao longo da vida.
Herdar é exactamente isso, receber algo dos anteriores a nós, ter essa relação, esse laço, em que nos passam algo.
Mas adoro herdar, receber coisinhas mesmo sem valor, mas com uma história, um quando, um como, um porquê. Quando a minha avó paterna morreu, nos foi levada pelo cancro (que, de resto, vai levando a minha família paterna, outro tema...) o que herdei dela, além do humor e amor que tinha e dava sem esperar receber, foi uma bonequinha de palha que estava no quarto dela, com uma fita cor-de-rosa, que para mim naquele momento teve todo o encanto do mundo, representava a sua luta (inglória) e era dela e passou a ser minha. E é minha!
Dos meus avós paternos, ainda aqui os dois, a serem bisavós, tenho em casa um sino das vacas que o meu avô tinha quando eu era pequena e uma plaina com que ele trabalhou muitos, muitos anos, como carpinteiro. Tenho ainda no jardim uma panela tripé de ferro da minha avó mas que estava furada no fundo e que dá um belo vaso.
Isto para dizer que amo herdar objectos, coisinhas nossas, dos nossos, que fazem parte da nossa família.
É por isso que não compreendo que se percam pequenos tesouros, relíquias de família, ainda que sem valor monetário. Não percebo como se deixam casas de onde desaparecem as pessoas e onde ficam os objectos sem haver quem os reclame, quem lhes sinta a história, quem os herde...

O meu pai e o meu sogro volta e meia resgatam objectos e trazem-nos, porque sabem que os apreciamos. Temos em casa cadeiras, cómodas, mesinhas, enfim, objectos, que eles resgataram e que nós recuperámos e fazem agora parte do nosso ninho.
Na semana passada o meu pai resgatou um pequeno tesouro de uma casa que ia ser demolida, com a história e os pertences lá dentro, com pedaços de uma família que ninguém herdou. Como?...
O meu pai trouxe-nos o que, para nós, é uma pequena riqueza e este fim-de-semana dei-lhes banho, acarinhei-os e fi-los nossos.
Na varanda montei o ponto de lavagem e recuperei-lhes o brilho!















Quando o meu pai encontra tesouros a minha avó (sogra) reclama: "Lá vem o homem carregado de lixo". Ahahahahahah
E depois vê os meus olhos a brilhar e não percebe nada! Mas acha piada.
Tenho ainda a sorte de, nestas heranças, eu ser filha única pois a minha irmã tem um estilo mais contemporâneo e diz sempre: "Não quero nada disso, mas se valer dinheiro, metade é meu!". Ahahahahah

Acresce o facto de o meu marido gostar destes tesouros, como eu, e estar impressionado com a pequena panela de cobre que recebemos desta vez. Depois mostro as maravilhas que este homem faz na recuperação de móveis! E fabrico. Foi ele que fez os nossos móveis de cozinha!

Nota: Não sabemos onde está o corta-unhas que ele recebeu da avó dele. Poderia ser só e apenas um corta-unhas. Mas não é. Tem história e muito amor à volta. E eu não faço ideia onde está e tenho que revirar aquela casa toda e encontra-lo. Porque é muito dele. Não, não é um simples corta-unhas. É muito mais. Pecebem isto?!
Tenho Mesmo que o descobrir! Prometo, Amor!

3 comentários:

  1. Percebo tanto o que aqui escreves... são esses objectos com décadas de existência que eu guardo quais tesouros, porque são o único elo de ligação que tenho aos meus antepassados e também à minha infância. Tendo perdido dois avós antes mesmo de nascer e os outros dois pouco depois de ter nascido e já não ter pais (aos 31 tornei-me uma perfeita orfã...), é nesses objectos que recordo pequenas coisas...

    Cada dia que passa valorizo mais essas coisas ;)

    Quanto à panela tripé de ferro, na terra dos meus pais chamam-se trempes.

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  2. Naná, acredito que deve ser muito difícil quando nos faltam as nossas pessoas... acredito e tenho apenas uma pequena ideia... que já custa. Deve ser uma golpada... Cuida dos objectos, das coisas, dos espaços, tudo o que te deixaram é de uma riqueza incalculável!... O teu texto sobre o apartamento do outro dia volta e meia vem-me à cabeça...
    Beijo!

    Ah! À tarde respondo-te ao comentário da tua nabiça...

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  3. Como costumo dizer... é assim a vida!

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